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28 janeiro 2024

Guillain Barre 1 ano depois

Final de junho de 2022 Ed teve uma convulsão (leve, comparada com as anteriores, mas incomum dentro do quadro de epilepsia com tratamento regularizado, rotina ok) que nos deu um susto. Com ajuda do meu pai, irmão e um vizinho, estabilizamos ele e levamos pro posto. Conseguimos alguns exames no mesmo dia, uma tomografia no dia seguinte, e uma ressonância que foi marcada pra dali pouco mais de 1 mês, tudo pelo sus. 

Na mesma semana apareceram alguns machucadinhos vermelhos e irritadiços na base da barriga. No posto falaram que era alergia e ele não deu muita importância. 

Ele entrou de férias, mas trabalhou muito comigo, estávamos cheios de planos: Aumentar a empresa, ele sair do clt e vir trabalhar exclusivamente comigo, procuras um lugar maior pra morar e ampliar a Mãe de papel, cuidar mais da gente e das crianças. 

Viajamos pra roça por um semana no final de julho/inicio de agosto.Estávamos no inicio do tratamento de TDDH do Caio, recém  diagnosticado. Eu e Laís tivemos uma virose forte e então decidimos antecipar a volta. Quase colocamos fogo no carro e demoramos 9 horas, numa viagem que seria de 4/5h. A vida estava pulsando e ativa. Voltamos na segunda. Ed voltou a trabalhar na quarta. Na sexta ele teve uma diarreia fortíssima, maior do que ja lembravamos... 

No início da semana seguinte ele começou a reclamar de um cansaço, de dormência nas mão e na boca. Como ele sempre foi muito dramático, não dei muita atenção. Ele foi fazer a ressonância nessa semana e tbm foi no posto umas 3 vezes. Falaram que era crise de ansiedade.

No sabado ele ja estava bem mal, bem indisposto. Parecia uma daquelas gripes fortes chegando. Ele passou a noite meio gemendo, sem posição, sem conseguir respirar, sem conseguir dormir. Por volta das 7h eu pedi que ele tomasse um banho quente para ajudar a relaxar o corpo... menos de 5 minutos depois, escutei ele cair no banheiro e me gritar. As pernas estavam perdendo as forças... consegui secar ele e ele se vestiu e foi meio se arrastando pro sofá. Era dia dos pais. Ultimo dia que as crianças viram o pai. 

Combinei com ele de seguir a programação do dia.. almoçar com as crianças e meus pais e irmãos e depois encarar o hospital sem hora pra sair. Na Upa descobrimos que aquela alergia da barriga era Hepes Zoster e que não tinha sido tratada. Passaram uma porção de antibióticos, tomou medicação e foi fazer exames. Ele foi internado depois da bateria de exames não detectar o que ele tinha, e a força das pernas não voltar. 

No dia seguinte, na upa, era dia de visita e passar pelo medico. Na ficha eu li pela primeira vez suspeita de Guillain Barre e meu mundo desabou ali mesmo pq eu tinha uma leve informação sobre a doença. E ali começou a batalha para tirar ele da Upa e passar ele para o hospital. Ed conhecia muita gente, falava com todo mundo, usava e abusava do "eu conheço fulano". Eu não. Mas fui atras dos amigos, da prima que trabalhava no hospital, de quem pudesse ajudar. Na terça a noite ele foi transferido pro quarto do hospital e eu pude ver ele na quarta. Ele já não tinha movimento nenhum nas pernas, os braços estavam começando a parar.. 

O exame para confirmar a Guillain Barre só poderia ser feito na semana seguinte. Seguiam as medicações, exames para descartar outras possibilidades e o corpo dele foi parando aos poucos.. na sexta ele fez uma pulsão, parte do procedimento de diagnóstico da doença.. e o diafragma ja estava parando. As enfermeiras e medica falaram que era ansiedade pq eu estava ali. Ele ja não conseguia engolir saliva. 

No sabado de manha, depois de um noite em pé, segurando ele dormindo sentado para não engasgar, chegou um medico mais dinâmico. O diagnóstico estava fechado, o que eles estavam esperando, iam transferir ele para a UPG para ele receber a medicação. Era Guillain barre, decorrente da Herpes Zoster e até da diarreia, foi o que o medico explicou. Tinhamos tomado vacina a mais de 7 meses, não tinha nenhuma relação com virus de vacina. Tudo isso ele me disse em volume alto e na velocidade 2x enquanto ia de um lado pro outro e fazia exame pq parecia que Ed estava infartando. 

Eu me despedi do Ed dia 20 de agosto de 2022. 20 dias depois de a gente voltar de viagem, cheios de planos e coisas para resolver. Foi a ultima vez que ouvi ele dizer que me amava. Ele disse que estava com medo e que ia morrer. Me deram informações erradas e eu nao fui no hospital no domingo, disseram que não podia entrar pra ver ele. Mas eu podia ter informações medicas. Na segunda cedo, quando cheguei lá, me deram a informação que ele estava entubado. 

Esperei 4 horas para ver ele. O medico me disse que tinha o resultado do exame feito na sexta. Era Guillain Barre (jura?! Ja sabiam disso a uma semana) mas que ele podia morrer a qualquer momento pq o coração tinha parado, o pulmão tbm e ele era paciente de alto risco. Assim, na minha cara, sem preparação, sem dó. Que a medicação dependia de um processo burocrático e cheio de documentações. Eu desabei ali. Não tinha forças para respirar. Essa parte quem resolvia, quem agilizava, era ele. Se não fosse o marido da minha irmã, meu cunhado, eu teria sentado ali e chorado até acabar o mundo. Ele ouviu todas as instruções e orientações e correu comigo pegar resolver tudo que precisava. Ainda correu comigo por mais 20 dias para ir e voltar do Hospital, todos os dias.

 Demorou 4 dias para ele começar a tomar a medicação. Em 4 dias que ele piorou. Que teve sepse. Que os rins pararam. E que eu fui para o hospital esperar o tempo que fosse para ver ele por 15 minutos ou 1 hora.. ou só para falar com os médicos e sair agradecida pq ele não tinha piorado naquele dia. Ed tomou 5 dias de Himunoglobulina. Mil pessoas tentaram ajudar.. falaram com um, com outro, ofereceram para pedir liminar.. mas no fim o processo foi como era.. 

O prognóstico era que depois da medicação o corpo dele teria que reaprender a funcionar. A sedação era diminuida e aumentada de acordo com a resposta dele.. alguns dias ele piscava o olho fechado para responder, noutros parecia que não tinha mais ninguem ali e em outros, os mais difíceis, eu vi ele se contorcendo. De dor ou para conseguir aprender a respirar. Ed fez diálise e melhorou, melhorou da sepse, estava respondendo ao trabalho da fisioterapia. Mas não conseguia respirar sozinho. 

16 dias depois de ir pra a Upg e entubar, foi preciso fazer uma traqueo pelo tempo que ja estava no tubo. Nesse dia não era dia de visita. Mas me deixaram entrar.. eu vi o rosto dele limpo pela primeira vez em mais de 2 semanas de tubo. Na visita seguinte passei mais de 1 hora dentro da UPG.. ele me respondeu de diversas formas piscou forte e fraco, ouvia tudo que eu falava. Mas estava inchado e tinha outros parâmetros piorando. Saí de lá com planos de voltar no domingo com a maquina de barbear dele. A enfermeira ia me deixar entrar em dia fora da visita e ia limpar o rosto dele. Foi a ultima vez que o vi com vida. Isso foi na sexta. Domingo, dia 11, às 11h40, Ed não resistiu a uma parada cardiorespiratória e morreu. Pouco mais de 1 mês depois de estarmos de ferias fazendo planos para uma vida inteira, ele se foi e eu fiquei sem rumo. 

1 ano e (quase) 5 meses depois o furacão parece que ja passou. Mas deixou um rastro de destruição que eu venho tentando reconstruir dia apos dia, sessão de terapia apos sessão. Com muitas conversas com a psicóloga do Caio, com a minha irmã (que segurou, com meu cunhado, muitas pontas que não eram deles), com ajuda quase 24h da minha mãe (mesmo que seja dando esporro) e do meu pai, com apoio do meu clube, apoio da minha tia/cumadre e do meu primo/cumpadre (que foram essenciais), muitas orações, palavras de incentivo e aquela msg que vinha mesmo depois que todo mundo ja tinha parado de mandar msg de poucas pessoas queridas. 

Eu passei toda minha vida adulta com o Ed. Passei por altos muito altos, baixos muito baixos, vacas gordas, vacas magras. Eu não sabia passar sem ele. Eu tive que aprender. Tive que entender que ele não esta mais aqui e não tem amor ou dor no mundo que vá mudar isso. Tive que fazer muitas coisas que ele "morreria" antes de me deixar fazer ou passar por aquilo sozinha. As lagrimas quase secaram de tanto que caíram. E não to nem perto de ter superado e aprendido a viver sem ele. Mas estou no caminho de aprender a viver comigo e entender quem eu sou e qual meu papel no mundo. Tomando remedio controlado, pq né?! Sozina é mais difícil. Trabalhando mais que consigo e menos do que preciso. Cuidando das crianças, mas ja garantindo a terapia pelos traumas, pq a minha paciência foi pro céu junto com o Ed. Seguindo o tratamento do Caio e tentando ser para Lais a parceria que o Ed era. Eu ainda não durmo. Ainda fico perdida. Mas ja consigo comprar um copo sozinha, sem desabar de chorar pq o Ed não esta comigo para decidir. E é isso. Um dia de cada vez. Um passo de cada vez.


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